O universo da mulher
Brasília, 18 de janeiro de 2024
Rachel Heringer Salles
Secretária Executiva do Observatório de Violência Contra a Mulher e Feminicídio
Parecia difícil escolher o tema para este primeiro editorial do ano, afinal, foram muitas as conquistas na pauta da Mulher ano passado. Mas, infelizmente, uma notícia ruim tornou a escolha subitamente fácil. É preciso começar falando sobre o terceiro feminicídio ocorrido no Distrito Federal, três nos primeiros dezessete dias do ano, vítimas da fúria facínora de seus companheiros de vida, agigantados por desprezível covardia. Se continuar nesse ritmo, 2024 termina com um índice maior do que o do ano passado, que já foi o maior da história do DF desde quando o crime foi tipificado.
Até agora, o problema está equacionado da seguinte maneira (acompanhe nossos movimentos!). Os relatórios de referência no Brasil e no mundo são unânimes ao afirmar que foram poucos os avanços no enfrentamento à violência contra a mulher, ou seja, os índices não cederam nos últimos 10 anos, o que indica que ainda não sabemos tudo o que precisamos saber. As pesquisas de opinião esbarram na dificuldade das mulheres de sequer identificar as situações de violência que vivem. Já as estatísticas oficiais atravessam um processo de otimização e melhoria dos sistemas, contra as inconsistências e subnotificações. As investigações científicas, por outro lado, enfrentam vieses ideológicos. Por isso, por mais que se divulguem dados e se façam estudos, a desconfiança divide opiniões sobre as medidas a serem tomadas.
Diante do cenário, a disposição precisa ser de bravura. O debate tem se ampliado, sem dúvida. E muito no encalço da onda de digitalização que varre a face do planeta, o ruído é muito grande também. Por isso, entende-se que as leis (Art. 276 inciso vii, Lei Orgânica do Distrito Federal), decretos (Decreto No. 45.174 de 21/11/2023), normas (Portaria No. 33 SMDF) e decisões que trouxeram o Observatório à existência foram muito acertadas, pois estabeleceram um ambiente institucional estável e, ao mesmo tempo, favorável à inovação, sendo necessário a partir de 2024 revitalizar e transformar o portal na plataforma de referência da causa que ele foi criado para ser.
Para tanto, decisão foi abraçar a gestão do Observatório enquanto uma “organização orientada a dados”, onde um diagnóstico inicial revelou os principais pontos que precisam ser melhorados, gradualmente, até o nível de maturidade máximo, que é quando a informação flui de tal modo que os desafios são enfrentados com inovação, ou seja, surgem soluções novas, nunca experimentadas antes.
Aliás, os Observatórios surgiram pela primeira vez como centros de observação dotados de ferramentas altamente sofisticadas, com a finalidade de revelar realidades ocultas do espaço sideral e, assim, expandir as fronteiras do conhecimento humano. Portanto, investir esforços em fronteiras desconhecidas é de fato uma vocação do Observatório que se aplica lindamente ao universo feminino.
Stonehenge, por exemplo, foi uma espécie de Observatório. Ao recolher dados a respeito do movimento de corpos celestiais, suas observações foram usadas para indicar os dias apropriados no ciclo anual da agricultura, e as teorias atuais a respeito da finalidade de Stonehenge sugerem o uso simultâneo para observações astronômicas e funções religiosas.
Seja como for, um observatório sempre delimita um objeto de estudo, mas os achados são imprevisíveis. E isso, ao longo do tempo, com as demandas culturais, chegamos a um tempo onde a necessidade por conhecimento é cada vez maior, tanto maior é a quantidade de informações disponíveis, que apenas servem para confirmar nossa perplexidade diante da manifestação bestial de um feminicida, por exemplo.
Em pleno século 21, os observatórios possuem os mais diferentes formatos e configurações, mais ou menos afastados dos modelos antigos, com seus próprios métodos e objetos de conhecimento. Alguns se afastaram do campo da ciência para atuar nas esferas comunicacionais das redes sociais, por exemplo, cumprindo o papel de disseminar dados e informações confiáveis, abraçar causas, diminuir as incertezas e ansiedades do mundo digitalizado, construir consensos e atender grupos de interesse.
Na essência, espera-se que sejamos portadores de informações relevantes e difíceis de se obter por meios convencionais. A busca e a investigação pelo conhecimento continua tão urgente para nós quanto nos tempos de Stonehenge. No Observatório, continuamos instigados a adotar a mesma atitude de ousadia e intrepidez dos nossos antepassados ante os mistérios insondáveis do universo, tão desafiadores antes quanto agora em tempos tecnológicos. Vamos trabalhar para que 2024 termine melhor do que começou, e que seja bem mais simples proteger a vida das mulheres, tanto quanto plantamos e colhemos sem depender da observação dos astros ou do humor dos deuses.
Rachel Heringer Salles
Secretaria Executiva
Observatório da Mulher do Distrito Federal
rachel.salles@mulher.df.gov.br