Mulher Negra, EU VEJO VOCÊ

Brasília, 21 de novembro de 2023

Rachel Heringer Salles 

Secretaria Executiva do Observatório da Mulher DF

Um certo filme chamado Avatar, campeão de bilheteria, adotou a expressão “eu vejo você” no lugar do “eu te amo” para retratar o improvável amor e o respeito entre personagens cujos respectivos mundos de origem, além de serem muito diferentes, estavam em guerra. Hoje, no Dia da Consciência Negra, em meio a tantos absurdos acontecendo, é forçoso dizer à mulher negra mais do que “eu te amo” entre festas e homenagens. Essa mulher está em guerra e deve preferir que alguém lhe diga: eu vejo você.

Para começar, a data foi estabelecida por reinvindicação de jovens universitários negros há 52 anos, em defesa do povo que constitui a maioria da população no país. Após décadas de reconhecimento da luta, foram poucos os avanços reais. Para muito além (ou aquém, como preferir) do embate ideológico, pode-se dizer que a luta está longe de ter chegado ao fim. Existem novas fronteiras de conhecimento e de práticas a serem exploradas em benefício da população negra e da nossa própria dignidade humana, já que o preconceito nos envergonha e brutaliza a todos.

Enquanto progressistas falam em cotas e resistência, os conservadores dizem que racismo é pecado, uma postura anti-bíblica onde se faz acepção das pessoas pela cor da pele, etnia ou crença. Falta o quê mais para a sociedade brasileira enxergar? Os negros continuam sendo os mais excluídos dos espaços de riqueza, educação e poder, liderando rankings de pobreza, violência e exclusão. É preciso querer enxergar.

É preciso investir mais e melhor, recorrer a ferramentas para conhecer essa vasta população tanto de forma coletiva quanto de forma individualizada, de forma georreferenciada nos territórios, no nosso caso, no Distrito Federal. Muitas ações e políticas distritais fazem referência exclusivamente a dados nacionais, aumentando o risco de imprecisões e resultados insatisfatórios.

As avançadas tecnologias digitais permitem mergulhar cada vez mais profundamente na realidade de pequenos grupos e muitas vezes olhar para cada indivíduo, tratando com cada CPF, mas as políticas sociais ainda não fazem uso delas. O Distrito Federal desponta como um dos ecossistemas de inovação que mais cresce no país, não havendo obstáculos importantes quanto ao uso dessas tecnologias também nas pautas sociais. Se bem que nada nunca superou a poderosa força da empatia genuína, aquela onde nos colocamos no lugar do outro e somos capazes de dizer: eu vejo você.

Os negros (pardos e pretos) são maioria

45,6% de brasileiros se declaram pardos e 10,6% pretos, representando a maioria da população com 55,9% negros. Falando em números, mulheres negras com diploma universitário ganham 55% menos que homens com o mesmo nível de escolaridade (Instituto Locomotiva), mas elas são a maioria entre os universitários do país, representando 26,3%. Ainda assim, apenas 0,4% dos altos cargos nas 500 maiores empresas têm mulheres negras na liderança (Instituto Ethos).
Segundo o Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF, 2021) as mulheres negras representam quase um terço (28,7%) da população na capital federal, seguidas pelos homens negros (28,4%), mulheres não negras (23,3%) e homens não negros (19,1%). O mais impressionante, é que mesmo sendo maioria, mulheres negras lideram o ranking das desvantagens sociais; passam mais necessidades, acessam menos os espaços de poder e de educação, começam a trabalhar mais cedo e por isso em termos de remuneração acabam ganhando menos e ficando mais sobrecarregadas com cuidados domésticos.
Estudos evidenciam que as mulheres negras enfrentam desvantagens em escolaridade, posição no mercado de trabalho e seguridade social.

Na ausência de bons indicadores para comemorar, no dia 20 de novembro cada qual se esforça para evocar a alegria e a paz de que todos precisamos para continuar na luta. É dia de celebrar a esperança e a liberdade para lutar. Mais do que um olhar crítico sobre a realidade,. é um olhar para a dignidade da mulher negra, é uma celebração da sua força, identidade e beleza que são atemporais e incondicionais.

Um Breve Olhar Histórico

O Dia da Consciência Negra, formalizado em 2003, é uma celebração e conscientização sobre a resistência negra desde a colonização. Remetendo ao dia da captura de Zumbi dos Palmares, em 1695, representa os 193 anos que precederam a Lei Áurea em 1888. Durante o período colonial, milhões de africanos foram escravizados, sofrendo condições precárias sem acesso a saúde, educação ou assistência social.
Na década de 1970, o Movimento Negro Unificado no País reivindicou o Dia da Consciência Negra, marcando um ponto crucial na luta contra o racismo no Brasil. Hoje, essa data representa a resistência, a celebração e a consciência da população negra, especialmente das mulheres negras, cuja força, beleza e luta merecem ser reconhecidas e celebradas não apenas no dia 20 de novembro, mas todos os dias.

Existe um preço
Existe um preço a ser pago que ainda não sabemos bem qual vai ser, até o dia em que se poderá finalmente celebrar o fim do racismo e da desigualdade no dia 20 de novembro. Até lá sigamos trabalhando e declarando: eu vejo você.

Rachel Heringer Salles
Secretaria Executiva
Observatório da Mulher do Distrito Federal
rachel.salles@mulher.df.gov.br